segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Sossegar

Sossegar não é descansar- não é uma consequência do cansaço.
"o coração não sossega, a vida cansa", ambas as coisas são verdadeiras, mas a associação é enganadora, porque o coração não sossega por causa de a vida cansar. Há cansaços bons. Não. O coração não sossega, porque não tem com que sossegar.
Quando aparece um amigo sem avisar, interrompendo tudo o que se tencionava fazer, sossega-se.
Quando se está a lutar contra a injustiça e a maldade, com todas as forças que se tem, sossega-se.
Quando se lê um poema ou uma história bonita, por muito triste que seja, sossega-se.
Quando se acredita em Deus. Isso sim, é sossegar.
Gosto de sossegar como verbo transitivo. Sossegar só por si não chega. É mais bonito sossegar alguém.
Quando se pede "Sossega o meu coração" e se consegue sossegar. Quando se sai, quando se faz um esforço para sossegar alguém. E não é adormecendo ou tranquilizando, em jeito de médico a dar um sedativo, que se sossega uma pessoa. É enchendo-lhe a alma de amor, confiança, alegria, esperança e tudo o mais que é o presente a tornar-se, de repente, futuro. É o futuro que sossega. "Amanhã vamos passear" sossega mais que "Não te procupes" ou "deixa lá, que eu trato disso".


Miguel Esteves Cardoso

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